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Perigo de retrocessos no transporte público

Retrocessos no transporte público são apontados em estudo realizado pelo Iema, que evidencia a ociosidade da indústria automotiva brasileira, em especial no que tange a produção de ônibus coletivos urbanos e à priorização do transporte individual

É o que aponta estudo realizado pelo Iema, que evidencia a ociosidade da indústria automotiva brasileira, em especial no que tange a produção de ônibus coletivos urbanos e à priorização do transporte individual

A indústria automotiva brasileira passa por um período de transição. Apesar de bem estruturada, com capacidade para atender integralmente à demanda do país e internacionalmente competitiva, o setor apresenta grande ociosidade produtiva, de modo que sua participação no PIB reduziu nos últimos anos. Isso inclui a produção de veículos para o transporte público coletivo no Brasil, que em 2021 não deve chegar a 20 mil ônibus produzidos, uma capacidade ociosa em torno de 60%.

O cenário é reflexo de uma política de mobilidade urbana que prioriza o transporte individual em detrimento do transporte público coletivo, o que evidencia uma tendência de retrocessos. Perda de empregos, continuidade de produção de carros poluidores, dependência externa para o fornecimento de veículos elétricos, maior elitização do automóvel e falência do sistema de transporte público atual são os riscos a serem enfrentados se a indústria brasileira e a transformação digital do século XXI não forem orientadas por uma mobilidade urbana inclusiva e com redução de desigualdades.

As informações fazem parte do estudo “Transição da Indústria Automotiva Brasileira”, realizado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), ONG fundada em 2006 com foco na análise de sistemas de transporte e energia sustentáveis. O trabalho procura identificar os desafios e as perspectivas do setor no Brasil, tendo em vista a necessidade de uma conversão alinhada à mobilidade inclusiva, de baixas emissões de poluentes e com geração de empregos.

O resultado da pesquisa fortalece a percepção de que o futuro da indústria automotiva, do transporte público e de seus trabalhadores não deve ser tratado de maneira isolada. 

“Se o país continuar dando prioridade ao transporte individual e a novos serviços baseados em tecnologia da informação e em serviços bancários, que não são compreendidos ou utilizados por grande parte da sociedade, pode haver uma radicalização e um aprofundamento do atual fosso entre as parcelas de maior e menor renda, levando os mais pobres a ficarem ainda mais sem acessibilidade. Os investimentos no transporte público devem ser estudados também para contribuir para a geração de emprego e renda na indústria de veículos de transporte, na construção civil e na operação dos sistemas, principalmente em um cenário pós-pandemia”, destaca o estudo.

Pontos de discussão 

A pesquisa também enfatiza que o momento é ainda mais desafiador para o transporte público, com o aprofundamento da crise econômica do país e uma possível redução dos deslocamentos por transporte coletivo devido à alteração de hábitos após o longo período da pandemia de covid-19. Ao mesmo tempo que exige um aumento de subsídios, há uma queda de arrecadação pelos governos, o que concretiza o risco de perda de qualidade e demanda, num ciclo vicioso. Já se observam devoluções de concessões de transporte público coletivo em várias cidades, utilizando-se para o setor o uso de expressões como “terra arrasada”.

Nesse sentido, as conclusões extraídas do estudo reafirmam a convicção de que o futuro da indústria automotiva, incluindo do transporte público, precisa considerar as diversas transformações que ocorrem no setor, sobretudo os debates em torno do (I) redesenho do modelo de mobilidade nas cidades brasileiras; a (II) conversão do parque fabril; o (III) impacto nos empregos; e a (IV) transformação digital e eletromobilidade. São estes os pontos que estruturaram a pesquisa realizada. 

Veja os detalhes do levantamento ponto a ponto:

 

 

O setor de transporte público passa por um período de crise, sendo um dos principais motivos o esgotamento do modelo de financiamento da operação dos serviços baseado no pagamento da tarifa pelos usuários, situação agravada pela pandemia. Na opinião dos entrevistados, a conversão da indústria, alinhada à mobilidade inclusiva e de baixas emissões de poluentes, não depende somente de esforços do setor, mas sim, de políticas de mobilidade que demandem transformação na produção. Faltam garantias e incentivos para que as montadoras implementem uma mudança no mercado de equipamentos nessa direção. 

Dessa forma, o estudo apontou que o futuro será, muito provavelmente, marcado pelo aumento do desemprego e por dificuldades fiscais do Governo Federal, ampliadas para estados e municípios, podendo haver baixo investimento em infraestrutura, crise de financiamento do custeio operacional e pressão pela desregulamentação do mercado de transporte público. Há quem observe uma tendência de desestruturação completa do sistema desse tipo de transporte nos próximos anos e, até janeiro de 2023, vê-se o risco permanente de retrocesso, com risco de retorno do transporte clandestino, como já acontece na cidade do Rio de Janeiro, num quadro semelhante ao da década de 1990.

É necessário melhorar o transporte público por meio da implantação de sistemas de média e alta capacidades (BRTs), faixas exclusivas de ônibus, política de renovação de frota de ônibus e adoção de veículos de emissão zero no longo prazo, redução das tarifas, além de instrumentos de gestão de viagens (TDM). 

Na visão geral, os instrumentos de políticas públicas deveriam ser efetivamente aplicados e direcionados para ampliar tanto a participação do transporte público nos deslocamentos urbanos quanto sua indústria na geração de emprego e renda. 

 

 

O Brasil está passando por um processo de desindustrialização, com pouca estruturação de política industrial e ambiental. O “carro-chefe” da indústria automotiva, o automóvel, tem se tornado mais inacessível nos últimos anos. Desde 2012, com o aumento do desemprego, os trabalhadores têm perdido poder de compra, e a capacidade de consumo de bens duráveis está estagnada.

Quanto ao segmento de veículos para o transporte público coletivo, reconhece-se que o Brasil tem forte presença no mercado de ônibus da América Latina, com empresários que preferem as carrocerias brasileiras. No entanto, o setor está perdendo espaço para fabricantes de outros países, principalmente fornecedores chineses. Mas, em virtude da forte consolidação da indústria de ônibus, os especialistas indicam que, até o momento, não há ameaça de as fabricantes brasileiras perderem o mercado interno para fabricantes de outros países.

 

 

O estudo aponta que não há expectativa de crescimento substancial no mercado de veículos nos próximos anos e que o número de empregos nas montadoras pode não necessariamente acompanhar o crescimento da produção, dada a automatização das linhas de montagem. A perda de empregos é uma realidade atual e as vagas remanescentes encontram-se ameaçadas, mesmo sem grandes transformações estruturais dirigidas nas montadoras.  

 

 

O mundo vive uma corrida tecnológica na indústria automotiva, o que modificará profundamente a forma de interação do sistema de mobilidade. As perspectivas são de que, no futuro, os veículos sejam eletrificados, autônomos, compartilhados, conectados e com softwares atualizados periodicamente. Assim, devem ganhar mais atenção a oferta de serviços de transporte frente à venda de produtos (veículos), demandando ligação estreita entre o veículo e o uso de sistemas de comunicação e informação, e a locação de veículos ou assinatura por determinados períodos. Um dos principais efeitos disso é o surgimento de serviços que afetam principalmente o transporte público, conhecidos internacionalmente como “mobilidade como um serviço” (mobility as a service – MaaS). 

No caso dos ônibus, também há demanda pela substituição do diesel, mas ainda falta uma estratégia nacional para sua implementação. O uso de novas fontes de energia, destaca o estudo, pode encarecer os custos operacionais, agravando a crise existente. O transporte público se tornaria mais caro que utilizar um carro, sobretudo com o advento e expansão da mobilidade por aplicativos como o Uber. 

Nesse sentido, destacou-se a necessidade de mudança regulatória no transporte coletivo e no setor de energia para permitir a entrada de novos atores e gerar empregos. 

A pesquisa

O estudo “Transição da Indústria Automotiva Brasileira” foi realizado no período de janeiro a março de 2021, por meio de pesquisa documental e de entrevistas com representantes-chave do setor, incluindo vários segmentos da indústria automobilística, da indústria de equipamentos e serviços de transporte público, gestores públicos da mobilidade urbana, trabalhadores, pesquisadores, ONGs e jornalistas especializados. 

Fonte: Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)

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