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“O futuro das cidades prescinde sim de avanços tecnológicos na mobilidade. Mas tomadores de decisão não podem perder o foco e se deixar ludibriar”

*CLARISSE CUNHA LINKE

A discussão sobre a mobilidade urbana passa por uma importante transição. Muito se fala sobre a eletrificação, a automação e o compartilhamento dos veículos. Nas próximas décadas, estes avanços, juntos ou separadamente, mudarão de forma radical a vida nas grandes cidades e a chamada mobilidade urbana. Mas com este olhar utópico de futuro, temos um risco: a discussão continua no âmbito do transporte individual, como mostram os proponentes dos “uber-helicópteros”, que competem agora por espaço em conferências e fóruns de discussão sobre a pauta da mobilidade.

Enquanto isso, o transporte público no Brasil permanece distante das pessoas, caro, inseguro e desigual. A situação é ainda pior para mulheres, que precisam desenvolver estratégias individuais para enfrentar medo em relação à violência de gênero e um sistema que não favorece seus deslocamentos. Como garantir que os avanços tecnológicos sejam canalizados para qualificar o transporte público, por natureza compartilhado, mais eficiente, barato, rápido e solidário? Destaco aqui três questões críticas: redistribuição do espaço viário, integração com transportes ativos e barateamento do custo da tarifa.

Futuro

O brasileiro gasta diariamente longos tempos de deslocamentos com alto percentual de pessoas que demoram mais de 1 hora para ir diariamente ao trabalho. Um dos motivos é a baixa prioridade para o transporte público nas cidades. Dados do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec, 2018) apontam que apenas 2,6% das vias na cidade do Recife possuem prioridade, 3% no Rio de Janeiro e 3,9% em São Paulo.

A redistribuição do espaço viário precisa estar na pauta. Os corredores de São Paulo e Rio de Janeiro são exemplos de soluções de baixo custo, rápida implementação e alto impacto, que facilita o planejamento da operação, otimiza o uso da frota, contribui com a redução do consumo de combustível e com a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Os investimentos em corredores existentes e novos projetos precisam ser pensados de forma mais ampla tornando efetiva a integração com os modos de transportes ativos. Menos de 10% das calçadas e travessias de acesso aos corredores de BRT do Recife possuem condições mínimas de qualidade e segurança. O entorno dos corredores precisa ser pensado em conjunto com as obras dos corredores, como estratégia de atração e retenção de usuários: requalificação de calçadas, travessias, bicicletários e integração com rede cicloviária.

Financiamento

O custo do transporte público é muitas vezes proibitivo para a população de baixa renda que não tem acesso ao emprego formal e ao benefício do vale-transporte. Nas principais cidades europeias, o percentual médio de custos de operação coberto pela arrecadação tarifária é de 45% (EMTA Barometer, 2016).

O modelo de financiamento do transporte público não pode ser exclusivamente baseado na tarifa paga pelo usuário e deve mobilizar o conjunto de atores que se beneficia dele: usuários da via, principalmente os veículos privados que ocupam a maior parte do espaço, proprietários de imóveis, sociedade e setor produtivo.

O futuro das cidades prescinde sim de avanços tecnológicos na mobilidade. Mas tomadores de decisão não podem perder o foco e se deixar ludibriar. O futuro é feito no hoje! A tecnologia pode e deve contribuir para a redução drástica do número de veículos em circulação; aumento do fator de carga média por viagem; ampliação de oferta de transporte; garantia de infraestrutura com condições seguras para a mobilidade a pé e por bicicleta.

CLARISSE CUNHA LINKE, diretora executiva do ITDP. É mestre em Políticas Sociais, ONGs e Desenvolvimento pela London School of Economics and Political Science, onde recebeu o prêmio “Titmuss Examination Prize”. E pós-graduada em Terceiro Setor pelo Instituto de Economia da UFRJ.

Artigo publicado na Revista NTUrbano 35, outubro / novembro 2018, pág. 20.

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