No ambiente atual de revolução tecnológica da computação móvel, as consequências das nossas escolhas produzem impactos de magnitude assustadora, causando um verdadeiro rebu
*Por André Dantas
Nossas escolhas, como sociedade, geram consequências que precisamos entender e gerenciar. Temos optado pelo desenvolvimento econômico voltado para a indústria automobilística. Produzimos mais carros e celebramos as notícias sobre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) associado ao aumento das vendas de automóveis. Incentivamos a propriedade de veículos particulares e criamos condições para que sejam utilizados nas cidades, pois há uma enorme oferta de estacionamentos e o preço dos combustíveis, até bem pouco tempo, era artificialmente controlado. Então, deparamos com as consequências: congestionamento, poluição, acidentes, redução da qualidade e aumento da tarifa do transporte público.
No ambiente atual de revolução tecnológica da computação móvel, as consequências das nossas escolhas produzem impactos de magnitude assustadora. Nos últimos anos, diante das inovações, houve a opção por não regulamentar os novos serviços de mobilidade urbana. Pressionados pelo discurso/marketing e pela percepção de que não se pode impedir o avanço da tecnologia (pois argumenta-se que ela gera melhoria da qualidade de vida), muitos ignoraram (intencionalmente ou não) as consequências negativas da tal mobilidade “compartilhada”. Se por um lado esses novos serviços resultaram na expansão e na melhoria da “experiência” da oferta de transporte, eles também produziram efeitos negativos diretos em todo o sistema de transporte.
Do ponto de vista do usuário, a individualização do serviço é sem dúvida um avanço, pois o custo imediato foi reduzido. Todavia, do ponto de vista do sistema/sociedade, a soma de todos os veículos realizando viagens pulverizadas e descoordenadas contribui para o aumento da ineficiência das cidades cada vez mais entulhadas de automóveis particulares. Assim, são ampliados os efeitos (negativos) do desenvolvimento voltado para a indústria automobilística.
Diante da continuidade dessas escolhas, o futuro reserva consequências ainda mais graves do que possamos imaginar. No curto prazo, é provável que sejam criados inúmeros serviços de mobilidade compartilhada, inclusive com veículos de capacidade maior do que 5 passageiros. Em função da falta de regulamentação e fiscalização, esses serviços captariam boa parte da demanda do transporte público, que gradualmente seria limitada àqueles contemplados com gratuidades (idosos, estudantes, etc.). Aos poucos, nem mesmo os corredores de ônibus estariam livres da concorrência predatória dos automóveis compartilhados e, assim, toda a rede de transporte público deixaria de existir. No médio prazo, a dominância dos serviços de mobilidade compartilhada levaria ao aumento dos custos para os usuários, porque nem mesmo existiria a referência das tarifas públicas dos ônibus. Esse aumento dos custos seria motivado principalmente pela dificuldade de deslocamento nas áreas urbanas, principalmente em função do constante congestionamento observado por praticamente todas as vias. A dependência nos serviços compartilhados de mobilidade faria com que a “solução” tecnológica de hoje se tornasse o problema do futuro, no qual os custos de transportes produziriam impactos significativos na qualidade de vida, na indústria e no desenvolvimento.
Tudo isso pode parecer uma leitura equivocada do futuro, mas as experiências do passado ensinam muito. Na década de 90, vivemos um pesadelo parecido. Perdemos uma grande parcela da qualidade do transporte público em função do transporte pirata e é provável que nunca cheguemos a recuperá-la. Agora, a situação se torna mais preocupante porque a tecnologia disponível é infinitamente mais transformadora. É recomendável que nossas escolhas sejam repensadas enquanto ainda há tempo.
*André Dantas é Phd e diretor técnico da NTU
Artigo publicado na revista NTUrbano Março/Abril 2018, página 13