Artigo publicado na seção “Ponto de Vista”, da Revista AutoBus, edição de julho de 2021
(*) Francisco Christovam
Marco Regulatório é o conjunto de normas, leis e diretrizes que regulam o funcionamento de setores da economia, nos quais agentes privados prestam serviços de utilidade pública, por delegação. Como não há, até agora, um marco regulatório específico para o setor dos transportes de passageiros, cada ente da Federação estabelece as suas próprias regras para a concessão desses serviços, gerando, salvo raras exceções, confusão e desordem nos direitos e obrigações dos poderes concedentes e das empresas concessionárias.
A Constituição Federal, as Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas dos Municípios e uma verdadeira parafernália de leis federais, estaduais e municipais, constitui a chamada “legislação aplicável” aos transportes coletivos que, em muitos casos, cria embaraços e amarras que só dificultam a contratação e, posteriormente, a gestão dos contratos de concessão. Em algumas situações, o aparato jurídico sobre o qual o processo licitatório deve se apoiar é falho, dúbio e não estabelece base jurídica suficientemente sólida para que os contratos possam resistir, inclusive, aos ataques de judicialização no setor.
Mesmo depois de 2015, quando o transporte passou a fazer parte dos direitos sociais, previstos no Art. 6º da Constituição Federal, muito pouco se fez para consolidar o direito do cidadão, o dever do Estado e o papel das empresas operadoras, no âmbito dos transportes públicos. Como a operação dos serviços é realizada, quase que na sua totalidade, por empresas privadas, fica a impressão de que o transporte coletivo é um negócio, regido por leis de mercado, e não um serviço público, de total responsabilidade do Estado.
O setor já vinha passando por dificuldades, nos últimos anos; porém, no período da pandemia, mais de 250 paralisações ou movimentos grevistas, dezenas de interrupções e encerramentos da prestação dos serviços, bem como a insolvência de várias empresas operadoras, que já acumulam um prejuízo de aproximadamente R$ 14,2 bilhões, decorrentes da drástica queda da demanda, indicam que métodos tradicionais não serão mais capazes de resolver a situação.
Por isso, poder concedente e prestadoras dos serviços precisam encontrar meios para enfrentar os problemas atuais, utilizando ou não as regras dos contratos existentes, sob pena de se verificar, em curto prazo, a falência completa dos transportes públicos, bem como o domínio e a supremacia dos transportes individuais e desregulamentados sobre o transporte coletivo concedido.
A criação de um marco regulatório, abrangente e detalhado, para atender à maioria das necessidades atuais do transporte público multimodal (ônibus, metrô e trem), deve ser vista como uma reforma estrutural profunda, de longo prazo, que servirá, também, para resumir, condensar e atualizar toda a legislação que ampara a base jurídica para a elaboração dos processos licitatórios e dos contratos de concessão.
A proposta de um marco regulatório que deverá ser discutida no Congresso Nacional contém, em síntese, as definições dos vários tipos de transportes e da diferença entre tarifa de remuneração e tarifa pública ou de utilização, os princípios e conceitos relativos ao acesso universal aos serviços, desenvolvimento sustentável, segurança nos deslocamentos, prioridade do transporte coletivo sobre o transporte individual, promoção da inclusão social e a necessidade de publicidade e transparência sobre os dados e informações geradas pelo setor.
Essa propositura estabelece, de maneira clara e objetiva, a definição dos padrões de qualidade dos serviços, a necessidade dos reajustes periódicos das tarifas, a gestão das receitas tarifárias e extra tarifárias, a concessão das gratuidades e a necessidades de subsídios, para cobrir a diferença entre o custo da prestação dos serviços e a capacidade de pagamento dos usuários.
Além disso, também, define os papéis, atribuições, deveres e obrigações, individuais e complementares, da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e das empresas prestadoras de um serviço público considerado estratégico e essencial.
Assim, há que se considerar que boa parte da legislação federal, estadual e municipal, aplicável e não concorrente, complementada por normas e regras modernas e adequadas de relacionamento entre o poder concedente, as empresas operadoras e a sociedade, deverá fazer parte de um marco legal que permitirá que os entes da Federação possam lidar, de maneira eficiente e eficaz, com a complexidade da prestação dos serviços de transporte coletivo de passageiros, em todo o território nacional.
(*) Francisco Christovam é assessor especial do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss e, também, membro da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP, da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, do Conselho Diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, da Confederação Nacional dos Transportes – CNT e do Conselho Consultivo do Instituto de Engenharia.
Fonte: NTU