Políticas públicas de combustíveis voltadas para o transporte individual em detrimento ao coletivo foi um verdadeiro desastre para a mobilidade urbana no Brasil, defende especialista
*Por Marcos Bicalho dos Santos
Bons tempos aqueles que antecederam a virada para o século XXI. O preço do óleo diesel era cerca de 50% do preço da gasolina, viabilizado por uma política de subsídios cruzados na cadeia de combustíveis, política essa que beneficiava o transporte dos produtos brasileiros para consumo interno e exportação, e incentivava o uso dos transportes coletivos nas cidades.
De lá para cá, tudo mudou. Com o advento da Lei do Petróleo, a política de subsídios cruzados foi deixada de lado e a nova diretriz que passou a vigorar foi o alinhamento dos preços internos com os preços internacionais.
O óleo diesel, que acumulava uma defasagem em relação aos preços internacionais, fruto da política até então adotada, foi o mais impactado. Nos últimos 20 anos, seu preço sofreu um aumento de 207% superior ao aumento do preço da gasolina e de 260% superior à variação do IPCA (índice oficial de inflação) no mesmo período.
Essa nova política de preços dos combustíveis, aliada aos incentivos que o governo federal criou para a venda de automóveis e motos, foi um verdadeiro desastre para a mobilidade urbana no Brasil.
A partir dos anos 2000, a frota de automóveis cresceu 175%, passando de 20 milhões para 55 milhões de veículos nos dias atuais. Enquanto isso a frota de motocicletas passou de 6 milhões para quase 27 milhões, representando um aumento de mais de 570%.
O resultado está nas ruas das grandes e médias cidades brasileiras para todo o mundo ver. Congestionamentos gigantescos que chegam a mais de 200 quilômetros nas metrópoles, aumento acentuado dos acidentes e mortes no trânsito, levando o país a ser um dos campeões dessa triste estatística, e aumento da poluição urbana com danos irreparáveis para a saúde dos cidadãos, sobrecarregando o custo Brasil.
Enquanto isso o transporte coletivo por ônibus agoniza — pela perda contínua de demanda, que nesse período acumula uma redução de 27% no número de passageiros; pela queda da qualidade e da produtividade decorrente da redução da velocidade comercial dos ônibus, presos nos congestionamentos urbanos; e pelos aumentos dos custos dos serviços, e consequentemente das tarifas cobradas dos passageiros, causados não só pela queda de produtividade, mas também pelo aumento do preço do diesel, cujo peso nos custos totais subiu de 10% para 25% ao longo das duas últimas décadas.
Não se pretende aqui questionar a liberdade que a Petrobras tem, como uma empresa de capital aberto, para fixar preços e dar resultados aos seus acionistas, até porque já vivemos as consequências da intervenção estatal na política de preços da empresa em tempos passados.
Entretanto, podemos sim questionar o governo federal pela falta de políticas públicas sobre os preços dos combustíveis que incentivem a competitividade dos produtos brasileiros e promovam uma mobilidade urbana mais sustentável e racional, pela redução dos custos do transporte de cargas e do transporte público coletivo.
Ferramenta para isso não falta, a exemplo da CIDE Combustíveis que, desde a sua criação, é lembrada como instrumento de política pública de preços de combustíveis, mas muito pouco utilizada nesse sentido até o momento.
De tudo isso fica uma lição: políticas públicas precisam estar alinhadas entre os três níveis de governo e nas diversas dimensões econômicas e sociais, sob pena de se produzir mais malefícios do que benefícios.