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Marcos Bicalho dos Santos*

Desde a introdução da definição de serviços de transporte sob demanda por aplicativo na Lei de Mobilidade
Urbana (Lei 12.587/2012), lá denominados de “transporte remunerado privado individual de passageiros”, a dúvida sobre como classificar o termo transporte compartilhado ocupa espaço nas cabeças pensantes de especialistas do setor. A nova definição inclui o conceito de transporte individual para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas. Isso é aceitável? É tecnicamente correto?

A mobilidade urbana não pode ser tratada como uma ciência exata, pois estamos tratando das necessidades de deslocamento de pessoas, que têm hábitos e comportamentos diversos. Assim, esses conceitos teóricos colocados na letra fria da lei têm que ser confrontados com a realidade do ir e vir da população, no dia a dia nas cidades.

Se uma viagem for realizada de táxi, serviço classificado na Lei de Mobilidade Urbana como transporte público individual, ou mesmo se for uma viagem individualizada, feita por meio de aplicativo, e se essas forem realizadas por uma família, por grupo de amigos, ou por colegas de trabalho, neste caso é aceitável dizer que se trata de transporte individual compartilhado.

Ocorre que essas viagens têm características específicas, que permitem classificá-las como tal: na maioria dos casos têm a mesma origem e o mesmo destino e a tarifa é sempre única e total para cada serviço prestado. Essa situação é totalmente diferente da do transporte coletivo, no qual a tarifa é individual por pessoa e a combinação origem/destino também pode ser uma decisão de cada passageiro.

De acordo com esses conceitos expressos na Lei de Mobilidade Urbana, os novos serviços de viagens compartilhadas sob demanda por aplicativo, lançados no Brasil, como Uber Juntos e 99 Compartilha, configuram transporte coletivo de passageiros, pois têm pagamentos individualizados por pessoa e atendem diversas origens e destinos na mesma viagem.

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Os serviços sob demanda por aplicativo não estão sujeitos a qualquer tipo de regulação operacional. Por essa razão, concentram a atuação nas viagens de curta distância e nos horários de maior demanda, subtraindo das redes públicas a parcela mais rentável, essencial para subsidiar as operações deficitárias em linhas longas e horários de pouca demanda.

Redes de transporte público coletivo não podem ser submetidas à concorrência predatória, sob pena de sofrerem desequilíbrio econômico-financeiro e perda da qualidade dos serviços. Por isso a legislação, além de obrigar à realização de processos licitatórios para concessão desses serviços públicos, submete a operação da rede à pesada regulação estatal.

Sob o olhar da lei está claro que a exploração de serviços compartilhados sob demanda por aplicativo, desatrelada da rede de transporte público coletivo e realizada sem contrato de concessão ou permissão, é totalmente ilegal. Se não houver esse entendimento por parte das autoridades competentes, as redes de transporte público coletivo estarão fadadas ao desmonte, com graves consequências para as classes sociais carentes e para a qualidade de vida da população.

A persistir a atual liberdade para a operação desse tipo de serviço coletivo de transporte, corre-se o risco de fazer
a sociedade reviver o caos urbano que muitas cidades experimentaram no passado, com o crescimento assustador do transporte ilegal, realizado por vans, mas agora em dimensões muito maiores, turbinadas pela tecnologia dos aplicativos.

*Marcos Bicalho dos Santos é engenheiro civil e Mestre em Engenharia de Transportes. Atualmente é diretor Administrativo e Institucional da NTU.

Texto extraído da Revista NTUrbano, ED. 41, p. 22, Set/Out 2019.

Comunicação GVBus

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