O diretor executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, Francisco Christovam*, faz um balanço do trabalho desenvolvido pela entidade em 2023 e aponta as perspectivas do setor para 2024. Confira os principais pontos do artigo elaborado pelo executivo
É importante registrar, de partida, que o ano que se encerra foi muito importante para o setor dos transportes coletivos urbanos de passageiros, seja pelos avanços alcançados na aplicação de novas tecnologias, seja por uma nova visão sobre a importância desse serviço público – essencial, estratégico e fundamental –, principalmente, para as pessoas que moram nas cidades brasileiras.
O ritmo de crescimento das cidades que estão subsidiando seus sistemas de transporte e adotando a “tarifa zero” é um bom indicador dessa mudança de entendimento e de abordagem.
Programa Nacional de Mobilidade Urbana
O primeiro mês do atual governo começou com mudanças na estrutura ministerial, com a recriação do Ministério das Cidades, cuja atribuição é promover ações e programas na área da mobilidade e do desenvolvimento urbano, entre outras.
Desde o primeiro momento, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU buscou a aproximação e o diálogo com os novos dirigentes da pasta e lhes entregou, no final de junho, um documento intitulado Propostas para um Novo Programa Nacional de Mobilidade Urbana, com sugestões para a criação do programa “Bolsa Transporte” e para a realização de investimentos em infraestrutura e em renovação da frotaRenovação de frota prevista para 2021 já foi concluída, além de contribuições para a melhoria da gestão dos órgãos públicos e das empresas operadoras.
As propostas apresentadas foram, em parte, contempladas no novo Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, programa de governo, lançado em agosto, que passou a ter uma linha de financiamento para a mobilidade urbana e que incluiu, também, recursos específicos para a renovação das frotas.
A nova versão do PAC contempla investimentos da ordem de R$ 1,7 trilhão em infraestrutura e de R$ 48,8 bilhões em projetos de mobilidade urbana, dos quais R$ 33 bilhões devem ser destinados a novos projetos de transporte urbano de alta e média capacidade, incluindo uma verba específica de R$ 3 bilhões, para a substituição dos ônibus diesel que atingiram o limite da sua vida útil.
Reforma tributária
A NTU também deu uma importante contribuição ao debate sobre a reforma tributária ao participar, em 12 de abril, de audiência pública, organizada por representantes do Congresso Nacional, quando apresentou evidências sobre como o transporte público coletivo urbano poderia ser impactado pela mudança na legislação e defendeu um tratamento diferenciado para o setor.
Ao longo de todo o processo de tramitação, a NTU esteve presente com sugestões e estudos que respaldaram medidas adotadas na versão final do texto, aprovado pelo Congresso, em dia 15 de dezembro, que preservou o tratamento tributário diferenciado para o transporte público, como serviço público essencial e direito do cidadão. As medidas incluíram a isenção tributária ou mesmo a adoção de uma alíquota reduzida para o transporte público, a destinação de recursos provenientes da venda de combustíveis e a desoneração dos tributos incidentes na aquisição de bens de capital para o setor.
Desoneração da folha de pagamento
A NTU apoiou, ao longo do ano, a campanha pela continuidade da desoneração da folha de pagamento, por meio do PL 334/2023, de autoria do Senador Efraim Filho, que propugnava a manutenção desse benefício aos 17 setores econômicos que mais empregam no Brasil, entre eles o transporte público, até 31 de dezembro de 2027. Em maio, a NTU subscreveu um manifesto conjunto dos 17 setores, em favor da aprovação do projeto de lei, sendo a responsável pela divulgação do documento junto à mídia nacional das áreas de política e economia, além da mídia especializada em mobilidade urbana.
O PL 334/2023 foi aprovado pelo Senado no fim de outubro, mas, alegando a inconstitucionalidade da medida, o presidente Lula vetou integralmente a proposta. Em novembro, a NTU divulgou nota alertando para os impactos no custo do serviço, caso o veto à desoneração não fosse derrubado pelo Congresso, o que acabou ocorrendo no dia 14 de dezembro.
A prorrogação da desoneração evita a incidência de um aumento de 6,78% no custo final do serviço, equivalente a um impacto médio de R$ 0,31 no preço da tarifa paga pelo passageiro, segundo cálculos da NTU.
Programa de Assistência à Mobilidade dos Idosos e 36° Seminário Nacional NTU
Ao mesmo tempo em que a NTU discutia a desoneração da folha de pagamento, a Entidade continuou monitorando o andamento do Programa Nacional de Assistência à Mobilidade dos Idosos em Áreas Urbanas – PNAMI, que destina recursos federais para o financiamento da gratuidade de idosos no transporte público. O PNAMI foi aprovado pelo Senado, em 2022, e aguarda votação na Câmara Federal do PL 4392/2021, que estabelece um limite de até R$ 5 bilhões anuais, por um período de três anos, para a assistência financeira da União aos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Na segunda semana de agosto, foi realizada a 36ª edição do Seminário Nacional NTU, que teve como tema “Um Novo Marco para o Transporte Público Urbano de Passageiros”. O evento contou com 30 expositores e 854 participantes presenciais, que lotaram o auditório do Hotel Royal Tulip de Brasília. Houve, ainda, a participação de outros 1.300 participantes, que acompanharam a transmissão do evento, “on-line”, pelo canal do YouTube da NTU. O presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco, fez importante pronunciamento na abertura do evento e defendeu, de forma intransigente, a aprovação do novo marco legal para o transporte público.
Marco Legal do Transporte Público Coletivo
O Ministério das Cidades apresentou, em setembro, ao Fórum Consultivo de Mobilidade Urbana, a minuta final do projeto de lei do Marco Legal do Transporte Público Coletivo Urbano, em elaboração no âmbito do Poder Executivo. A proposta já havia passado por extensa consulta pública, no início do ano, que contou com a participação ativa da NTU.
A Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana – SEMOB recebeu cerca de 870 contribuições, provenientes de todo o país, das quais 60 sugestões de aprimoramento foram feitas pela NTU. A proposta do Executivo se soma à proposta do Legislativo, que tramita no Senado (PL 3278/2021).
O novo Marco Legal cria novas regras e reorganiza o serviço, além de estabelecer a separação tarifária – tarifa técnica e tarifa pública – que abre espaço para a adoção de subsídios públicos e a manutenção da modicidade tarifária, sem comprometer a qualidade do serviço.
Sistema Único de Mobilidade - SUM
Outro tema que mereceu especial atenção da NTU foi a proposta de criação do Sistema Único de Mobilidade — SUM, também denominado o “SUS do transporte público”. A proposta formulada pelo Instituto MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte), há alguns anos, foi detalhada em documento lançado em um painel temático que debateu o assunto no Seminário Arena ANTP, realizado em outubro.
A NTU avalia que o SUM complementa a proposta do Marco Legal, em discussão. A iniciativa está contemplada na PEC 25/2023, de autoria da deputada Luiza Erundina, que se encontra, atualmente, em análise no Congresso Nacional.
Expectativas para 2024
Para o ano que se inicia, a NTU deverá concentrar sua atenção na regulamentação da reforma tributária, uma vez que vários pontos de interesse do setor estão pendentes de legislação complementar.
Dentre os itens a serem acompanhados, destacam-se a definição da alíquota-base dos novos impostos, que incidirão com desconto de 60% sobre os serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviários (inciso VII, do §1º, do artigo 9º da EC 132/2023) ou a isenção do Imposto sobre Bens e Serviços — IBS e da Contribuição sobre Bens e Serviços — CBS, sobre esses mesmos serviços (inciso I, do § 3º, do artigo 9º); a tributação diferenciada dos combustíveis (inciso I, do § 6º, do artigo 156-A); as regras para a desoneração de bens de capital (inciso V, do § 5º, do artigo 156-A), que impactam na renovação das frotas; e a destinação da “CIDE Combustíveis” (item d, do inciso II, do § 4º, do artigo 177), para subsidiar o custo da prestação dos serviços.
A regulamentação, por meio da legislação complementar, é um passo fundamental para a efetivação das mudanças estabelecidas na nova Emenda Constitucional.
O Marco Legal do Transporte, por sua vez, deverá estabelecer um novo conjunto de normas, diretrizes e leis para regular e regulamentar a prestação desse serviço de utilidade pública, por delegação, pelas empresas da iniciativa privada. Como resultado, poder concedente e empresas operadoras poderão mitigar a insegurança jurídica dos contratos – atuais e futuros –, evitar o desiquilíbrio entre obrigações e responsabilidades das partes, assegurar justa e adequada remuneração dos serviços, permitir tarifas módicas aos passageiros e proporcionar, na medida do possível, uma melhoria na qualidade dos serviços prestados à população.
Além disso, a desoneração da folha de pagamento, o PNAMI e o SUM são projetos de grande interesse para o setor. Há a expectativa de que as propostas apresentadas até o momento sobre esses temas de alta relevância sejam apreciadas e avancem no sentido de sua aprovação pelo Congresso, criando as bases para a reorganização estrutural, bem como para o fortalecimento e melhoria da qualidade do transporte público brasileiro.
Todas as mudanças que já estão ocorrendo nos sistemas de transportes urbanos de passageiros ainda carecem de uma sustentação jurídico-legal mais consistente e permanente. Em muitos casos, os novos processos licitatórios ou mesmo os contratos de concessão existentes não estabelecem, entre outros pontos, a adequação do objeto às necessidades de ajustes de escopo na prestação dos serviços, não garantem o reequilíbrio econômico-financeiro das operações e não preveem a revisão periódica dos procedimentos operacionais.
Além disso, não definem os parâmetros para aferir a qualidade dos serviços prestados, não contém uma matriz de risco e não contemplam nenhum processo de resolução de controvérsias, tais como regras de conciliação, mediação, comitê de prevenção e resolução de disputa e arbitragem.
Finalmente, vale mencionar que nas eleições municipais, o transporte público será um dos temas de destaque nos debates e nas propostas eleitorais, possivelmente com foco na questão do financiamento (subsídios aos passageiros e tarifa zero) e na descarbonização da frota, a julgar pelas preocupações do eleitorado e manifestações de potenciais candidatos ao próximo pleito.
Mais uma vez, a NTU deverá desempenhar um papel importante no processo eleitoral, produzindo documentos e informações que possam orientar os candidatos, independentemente de sua filiação partidária, na elaboração de seus programas de governo municipal.
(*) Francisco Christovam é Diretor Executivo (CEO) da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, Vice-Presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP e da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, bem como membro do Conselho Diretor da Confederação Nacional do Transporte – CNT