A percepção sobre o ônibus ser um local de alto risco para contrair a covid-19 vai na contramão das pesquisas de índices de contágio do transporte coletivo. Estudos americano e brasileiro apontam que a transmissão está relacionada ao comportamento inadequado das pessoas e ao elevado tempo de exposição ao vírus
*Antônio Augusto Lovatto
Antes mesmo de iniciar a pandemia do coronavírus no país, todos os nossos celulares foram“bombardeados” por diversos modelos de cards afirmando que, depois dos hospitais, o transporte público era o local de maior risco para contrair a covid-19. Essas informações tinham a chancela da OMS, do SUS e eram confirmadas pela maioria dos infectologistas, epidemiologistas e virologistas do país.
Diante deste cenário preocupante, não somente em relação a iminente redução inesperada da arrecadação, ficava também o questionamento: qual o tamanho do risco que as tripulações estariam expostas? Assim sendo, o sistema de transporte público de Porto Alegre se restringiu, no início da pandemia, a fazer ações básicas como janelas 100% abertas e intensificação na higienização dos coletivos.
Pouco depois, foi lançado o “Protocolo Embarque Seguro”, composto por 14 medidas de segurança para o usuário do serviço. Quando findou o mês de abril e constatou-se que, dos sete mil trabalhadores do sistema privado, não tínhamos um único funcionário positivado, afastado ou muito menos com internação hospitalar por covid-19 – isto depois de ter transportado quase 20 milhões de passageiros – concluímos que deveríamos fazer uma investigação mais aprofundada sobre as condições de contágio das doenças respiratórias.
A primeira sinalização que tivemos, que confirmava o que estávamos presenciando junto aos departamentos de
medicina do trabalho das empresas, veio do governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo. Através de uma pesquisa com 1.300 infectados, o estudo afirmava que 65% contraíram a covid-19 em casa e somente 6% no transporte público.
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A partir de então surgiram diversas pesquisas e trabalhos sobre a transmissibilidade do vírus. Podemos citar o
médico inglês Erin Blomage e a pneumologista brasileira Letícia Kawano. Basicamente, eles apresentam o seguinte
conceito: transmissão = dose x tempo de exposição.
A variável “dose” está diretamente ligada a um fator muito importante, que é o comportamento das pessoas. O comportamento de quem utiliza transporte público é extremamente passivo, ou seja, ele não fala, não grita, e muito menos cumprimenta alguém. Um artigo da Citylab, de 9 de junho, resume muito bem esta evidência. Foram feitas análises junto às estações, trens e ônibus da França e do Japão e não foram encontradas “aglomerações” de coronavírus nesses locais.
Agora, a segunda variável da equação: o tempo de exposição. O tempo médio de viagem em transporte público no
Brasil é em torno de 50 minutos. Se considerarmos que mais de 60% das pessoas contraíram a covid-19 em casa, onde o tempo de exposição é no mínimo 10 vezes maior e em condições muito mais adversas, começa a ficar evidente que, no transporte público, este também não é um fator de alto risco.
Diante de tantos indícios e pesquisas, tomamos a decisão de realizar, em conjunto com o SEST/SENAT, uma testagem em 5% dos cobradores e motoristas ativos. Confirmando as nossas suspeitas, nenhum testou positivo.
O resultado dessa pesquisa foi apresentado no mês julho pelo SEST/SENAT e chamou muito a atenção, pois o nível
de contaminação entre motoristas de carga e motoristas/cobradores de ônibus é muito semelhante. Reforçando ainda mais a ideia que o transporte público não é um local de risco.
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A ventilação é um atributo sobre o qual precisamos ter novo olhar e que tem um papel fundamental para trazermos
segurança, conforto e tranquilidade para os passageiros. Mas, para que isso aconteça, terá que ser redesenhada, principalmente para os dias chuvosos e frios. A ventilação transversal e longitudinal em um coletivo urbano terá que
ser constante, independente das condições climáticas. O dimensionamento e a quantidade de exaustores e insufladores também terão que ser repensados. Algumas soluções já estão sendo testadas.
A partir de um estudo desenvolvido pela Marcopolo em parceria com a Universidade de Caxias do Sul (UCS), foi possível comparar os valores de renovação de ar de um ônibus em relação a uma série de outros ambientes, cujas recomendações são descritas através da norma ABNT NBR 16401. A conclusão foi de que as carrocerias produzidas pela empresa proporcionam uma renovação de ar 63% maior do que a exigida em bancos, supermercados e saguão de aeroportos.
A tecnologia aliada à biossegurança embarcada é outra ferramenta que está surgindo, com amplo espectro de atuação, em praticamente todos os elementos que compõem o interior de um ônibus. Atualmente, os processos mais
difundidos são a fog in place (névoa seca), UV (ultravioleta) e produtos à base de quaternário
de amônia e ozônio. Teremos, no futuro, componentes vindos de fábrica com princípios ativos de biossegurança. Bancos, balaústres e pega mãos são itens que estão recebendo maior atenção no desenvolvimento de produtos incorporados com esta tecnologia.
Mas infelizmente, mesmo diante de todos os estudos, os passageiros, em geral, continuam reticentes quanto ao uso do serviço. As previsões para o transporte público por ônibus, pós-pandemia e antes das vacinas, é que o modal opere com no máximo 70% da capacidade.
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A “overdose” de informações negativas e sem nenhuma comprovação técnico-científica que todo o setor de transportes sofreu deixaria Joseph Goebbels com uma tremenda inveja. Goebbels, ministro da propaganda nazista,
dizia que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade.
Portanto, a missão que o setor de transporte público tem em alterar a percepção das pessoas em relação ao grau do risco de contágio no interior dos coletivos urbanos e do transporte em geral será um dos maiores desafios que o setor
já enfrentou. Necessitamos urgentemente de uma estratégia internacional, pois, do contrário, a nossa única esperança ficará na espera da vacina.
*Engenheiro de Transportes da Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP).
O artigo foi originalmente publicado na Revista NTUrbano n° 45, páginas 22 e 23.